Vazio existencial - E quando a vida não tem mais sentido?
- João Gabriel Simões
- May 18, 2019
- 5 min read
Updated: Jan 26, 2023
Domingo à noite, tempo chuvoso e um calor de “matar”; sentado na sacada de um apartamento mesquinho, “quadrado” como a mentalidade de muita gente, fitando, por entre as folhas de outono que o vento sopra, pra lá e pra cá, pessoas, seres humanos que mais parecem como folhas também e eis que me surge um pensamento - “qual é o sentido desse corre e corre? Qual é o sentido desse universo? Qual é o sentido da minha vida? Tudo parece vazio, tudo parece em vão...
Tal pensamento é mais comum do que se imagina e reflete o que Viktor Frankl ( 1985 ) chama de vácuo existencial, isto é, a neurose que acomete muitos seres humanos nesse início de século XXI. O vácuo ou vazio existencial se caracteriza pela ausência de consciência de um sentido de vida, de um propósito ou ideal que valha a pena viver. Como diria Nietzsche (2005), a ausência de um “porquê” para viver.

Esse fenômeno, embora seja mais frequente entre desempregados, aposentados, idosos e pessoas que passaram por algum tipo de perda ou experiência traumática, se encontra generalizado. Pode-se dizer que o “vazio existencial” e a falta de sentido, em maior ou menor escala, já constituem um traço marcante da mentalidade contemporânea.
E qual é a razão disso?
A partir da “crença” em uma concepção “evolucionista” linear, que resulta na ideia de que somos mais evoluídos hoje, em todos os aspectos, do que nossos antepassados humanos, considera-se que o que anteriormente dava sentido ao ser humano, tais como as religiões e tradições espirituais, foi superado. A ciência nos ”libertou” dessas ilusões e trouxe o progresso, cuja tecnologia é o seu grande testemunho.
Embora, tal concepção seja, hoje em dia, bem questionável, o que veio “de carona” junto com a revolução industrial e a dissolução das “tradições”, foram filosofias reducionistas, tal como o “niilismo”, um “viés” que considera a realidade como um grande “vazio” sem sentido: estamos “soltos” em um universo que surgiu por acaso, no qual nada tem sentido em si mesmo. Não cabe abordar nesse artigo se isso é verdade ou não, nem tampouco mostrar os vários tipos de niilismo; todavia, cabe assinalar que essa “maneira de ver a vida” está entranhada no senso comum científico. Ou seja, quer se tenha ou não consciência, o niilismo influencia muita gente - está na ciência, literatura, no cinema, na música etc.
De acordo com Frankl (1985), as tradições que nos serviam de suporte, que proporcionavam sentidos de vida, estão cada vez mais enfraquecidas, de modo que muitas pessoas não sabem mais o que se “deve fazer” em suas vidas (estão perdidas), o que as leva a oscilar entre dois pólos, o do conformismo, quando elas desejam fazer o que os outros fazem e o polo do totalitarismo, quando fazem aquilo que outras pessoas querem que elas façam. Em outras palavras, o polo dos “modismos” e o polo da obediência.
O que dará sentido às nossas vidas, agora que “deus” ou o “ser”, o princípio metafísico que, como a raiz de uma árvore, dava sustentação e sentido as instituições sociais ocidentais está “morto”, ou fora do foco das ideias dominantes? Tal foi a indagação que fez Dostoievski (2004) proclamar, não com alegria: “se deus está morto, tudo é permitido”. E se tudo é permitido, até mesmo filosofias que neguem quaisquer sentidos tem, paradoxalmente, o seu “sentido” de ser.
Enfim, o vácuo existencial tem a sua principal expressão no tédio, na apatia e na desmotivação, entretanto, ele pode vestir algumas máscaras. Às vezes, a falta de sentido e propósito, pode ser compensada por uma vontade de poder - acumular dinheiro, compulsivamente, por exemplo. Outra máscara é a vontade de prazer, pela qual a busca de satisfação sexual ou química (uso de drogas), se torna o “norte” da vida de um indivíduo. Essas compensações ou máscaras apenas “adiam” o enfrentamento com a total falta de significado que muitos vivenciam ( VIKTOR FRANKL, 1985).
Como superar o vazio existencial e dotar a vida de sentido?
Pois bem, agora que já vimos que o vazio existencial implica em uma sensação de falta de sentido, passível de ser mascarada por determinados comportamentos, agravada por fatores socioculturais - como a degeneração das tradições e a proliferação de uma visão de mundo niilista - cabe agora entendermos como superar essa condição, como descobrir o nosso sentido de vida e dotar a vida de significado.
Victor Frankl, foi um médico e psicólogo judeu que passou alguns anos em campos de concentração. Em meio ao sofrimento ele observou algo muito interessante: as pessoas que viviam mais eram aquelas que tinham um sentido, um "porquê" para viver. Ou seja, algo que dava sentido às suas ações presentes e as impulsionava para o futuro.
Uma meta, como encontrar o ser amado; um objetivo, como escrever um livro; um valor, como a honestidade; um ideal de vida, tal como o platônico ou o cristão - podem dotar os atos presentes de significado e constituir um sentido de vida.
Para Frankl (1985), o sentido de vida difere de pessoa para a pessoa e de momento a momento, por isso ele é exclusivo e específico. Portanto, o mais importante não é o nosso sentido de vida, de modo geral, mas sim, o sentido específico de nossa vida em um dado momento. Por exemplo, o que dá significado e sentido para os nossos atos no aqui e agora? Estamos satisfeitos com a direção que estamos seguindo?
Dotar a vida de sentido é preencher o vazio existencial com significado e isso se faz indo até as profundezas do nosso ser e descobrindo ali o que nos move, o que nos estimula a viver. É um processo que envolve reflexão íntima e a percepção de que o meio cultural, econômico e social que nós habitamos não nos determina (embora nos influencie). Mesmo que não seja possível mudar uma situação, podemos sempre escolher a nossa atitude frente a ela. Como notou bem Frankl (1985), até mesmo o maior dos sofrimentos infligido aos prisioneiros no campo de concentração, era motivo de orgulho para aqueles que faziam daquilo um sentido de vida poderoso e enobrecedor. É o que Nietzsche (2005) sintetizou nessa frase: “ o que não nos mata, nos deixa mais fortes”.
Por fim, encerro essa breve reflexão com essas sábias palavras de Viktor Frankl (1985, p 87):
“O ser humano não é completamente condicionado e determinado; ele mesmo determina se cede aos condicionantes ou se lhes resiste. Isto é, o ser humano é autodeterminante, em última análise. Ele não simplesmente existe, mas sempre decide qual será a sua existência, o que ele se tornará no momento seguinte”.
Por: João Gabriel Simões, Psicólogo
Refêrencias:
Frankl, V. E. (1985). Em busca de sentido(W. Schlupp, trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.
FEREZ, O. C. Nietzsche: Vida e Obra. In: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2005.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Demônios. Tradução de Paulo Bezerra e desenhos de Claudio Mubarac. São Paulo: Ed. 34, 2004. Coleção Leste.
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